terça-feira, 6 de março de 2012

CINEMA - Juventude Transviada


POR

Juventude Transviada, o clássico de Nicholas Ray, é um retrato-síntese de uma geração que buscou consolo na fuga e na rebeldia
James Dean
A sequência inicial de “Juventude Transviada” (Rebel Without a Cause, 1955) é emblemática. Jim Stark (James Dean) trata carinhosamente um boneco, acolhendo-o com cuidado paternal. Ébrio, ele protege o brinquedo da mesma forma com que gostaria de ser recebido naquele momento. Trata-se de uma nítida referência ao estado de desamparo por que passa o personagem. Ao longo do filme, o diretor Nicholas Ray constrói uma sensível história que reflete as angústias e os sentimentos vividos pelos jovens da metade do século XX.
Ambientadas numa delegacia, as cenas que se seguem à apresentação de Jim Stark são uma obra-prima à parte, e explicam o espírito do cinema clássico norte-americano. Ray exerce aqui o papel de um investigador histórico, absolutamente eficaz ao solidificar o contexto cultural que pretende captar, interpretar e devolver para o espectador. Recostados em cantos distintos do cenário, os três personagens principais são a demonstração legítima da identidade daquela geração perdida.
Filhos da paranóia surgida com a Guerra Fria, criados por pais distantes que tentam compensar a ausência com presentes e mimos, Jim Stark, Judy (Natalie Wood) e Plato (Sal Mineo) fazem parte de uma juventude relegada pelo mundo dos adultos, e que acaba recorrendo à aceitação coletiva e se fechando em grupos de interesses e afinidades em comum. Na delegacia, Jim imita uma sirene, pelo simples prazer de incomodar os que ignoram seu inconformismo. Judy se sente preterida pelo pai, que reprova seu comportamento extravagante e suas companhias mais próximas. O garoto Plato, por sua vez, desconta em atitudes violentas e ressentimentos agressivos a frustração pelo abandono dos pais. Os três querem fugir de casa e perambular por aí, sem rumo e sem prestar conta das coisas. Eles não precisam de sanduíches de pasta de amendoim ou de bicicletas novas. Querem apenas um pouco de compreensão. No fundo, são indefesos e carentes.    
A narrativa acerta ao desencadear suas ações a partir de uma perigosa aposta. Um racha no penhasco, teste de masculinidade motivado pela demarcação de território e outros preceitos juvenis, causa a morte de Buzz (Corey Allen), típico galã local. Eis o elemento perturbador: o desfecho trágico de Buzz expõe a realidade mórbida da humanidade. É um contato brusco com o universo cheio de medos e loucuras que permeia a vida dos adultos. Jim, Judy e Plato têm receio de não atender as expectativas dos pais e da sociedade. Eles não querem legitimar o pensamento de que se tornaram um problema. Há uma Síndrome de Peter Pan generalizada: todos estão temerosos em crescer e assumir as responsabilidades de um mundo cruel. O trio ainda sustenta um certo encantamento com o conjunto despretensioso da infância. Em suma, querem viver a mil, desde que não corram nenhum risco real. Essas contradições da transição de fases são colocadas em cheque após o acidente fatal.
A tragédia aproxima-os. A admiração que Plato sente por Jim e o amor idealizado entre Jim e Judy se concretizam. As relações desenvolvidas entre os três pretendem afastar a solidão compulsiva que predomina no cotidiano dos personagens – solidão intensificada diante da fatalidade que acometeu Buzz. A sede de respostas é urgente. Nicholas Ray filma momentos de extrema poesia, como quando Jim, exausto, deita no sofá e o foco subjetivo da câmera sugere que seu mundo está de cabeça para baixo, ou quando Jim e Judy protegem Plato do frio e das injustiças que o perseguem. A caricatura que eles fazem do comportamento adulto, quando brincam de casinha na mansão abandonada, também demonstra as incertezas do futuro, provocadas pela certeza de que vão crescer.
Embasado em uma autêntica estrutura clássica, “Juventude Transviada” se mantém vigorosamente atual, ecoando influências em dramas mais recentes, a exemplo dos filmes dirigidos por Gus Van Sant e Larry Clark. O legado cinematográfico de James Dean, corroborado por sua mítica biografia, é o ícone mais consistente e realista dessas gerações de adolescentes errantes, guiados por uma rebeldia repleta de causas e consequências. Camisetas brancas manchadas de sangue nunca deixaram de ser moda entre os jovens.

Fonte: Revista Bula